Ao início da tarde, as nuvens pareciam derramar um creme fumoso e espirilado; faziam lembrar sorvetes. Nesse instante, uns pardais barulhentos cantavam animados a um canto e uma gaivota acrobática redopiava no céu. Tanta actividade para absorver num só lance de olhar. Os deuses estavam inspirados!
Ao fim da tarde, o sol de Verão ainda ia alto. As nuvens foram varridas por um lento e ameno vento. Espreito pela janela e, lá longe, através de uma brecha, balizada por umas árvores, o meu olhar é recebido por um mar dourado e cintilante, e o meu corpo banhado por uma luz tépida. Deixei-me embeber por essa hora dourada.
A manhã foi cálida, luminosa e vibrante. A tarde despertou encoberta. Vestiu-se com tons de cinza e lavou-se com uma fina chuva. Lá longe, espaçados, ouviam-se os rugidos da trovoada. Depois de uma manhã electrizante, a tarde inclinou-se para a melancolia. Sinto que estou no limbo. Aliás, estou em crer que este estado de espírito só se combate com uma melancolia electrizante.
Federico Albanese – The Blue Hour
Thom Yorke – Bloom (Live from Electric Lady Studios)
Mark Pritchard – Beautiful People (Official Video) ft. Thom Yorke
Que a música seja apenas uma vaga alusão a ideias que já tenho e gostaria de ter de novo.
Karl Kraus, O Apocalipse Estável: Aforismos, 2015, p. 63
Embora ainda num estado embrionário, hoje, torno público este espaço de auto-descoberta, qual semente adormecida na terra humedecida. Mesmo ainda sendo um feijão, o ensejo é que vire uma árvore imponente de frutos ridentes.
Neste primeiro arranque da sementeira, o blogue não propõe partilhar grandes apontamentos ou densas reflexões. Não foi criado para aborrecer, mas sobretudo para entreter, espicaçar sensações e partilhar inquietações.
Nada melhor do que começar com música para que o caminho comece desprendido da realidade. De todas as artes, esta é a mais misteriosa e a que mais nos interroga. Não será a música o resultado de confabulações vagabundas?
Marc Chagall – Le Violoniste Bleu
A música é assim: pergunta, insiste na demorada interrogação // (…) como se nada dissesse vai afinal dizendo tudo.
Eugénio de Andrade, É Assim a música, em “Os lugares do Lume”
A música, porventura, é essa energia alada que nos estremece o corpo e desperta as emoções. Sonoridades e cadências que abrem baús de fragâncias rítmicas.